9 de fevereiro de 2016

TAPA NAS COSTAS


Aqui, genial e imperdível, Daniel Santos.

TAPA NAS COSTAS

Fechou os registros de água e de gás, desligou a chave da luz e regou a begônia pela última vez, impessoal, burocrático, sem manifestar desejos nem simples vontades. Não queria mais. Mais nada. Nunca mais.
Depois, desceu dois lances de escada, deu “bom dia” ao porteiro e atravessou a avenida por entre automóveis sem atentar à própria segurança, porque àquela altura nem a vida valia mais a pena. E era Carnaval.
Foi, assim, andando na direção do mar, em busca da diluição definitiva, já sem consciência de si, mas, a meio do caminho, ao dobrar uma esquina, a mão de alguém golpeou-lhe as costas num repelão imperativo.
De um susto, recobrou os sentidos e tentou escapulir dos foliões que, num bloco frenético, o empurravam para adiante e adiante. Em vão. Depois, sacudiram-no, abraçaram-no, deram-lhe de beber ... Ah, que farra!
Pulou muito pelas ruas e caiu, enfim, exausto no banco da praça, o entusiasmo da vida latejando nas têmporas. Entrou no mar só para tirar o suor e voltou a casa sem pressa. Tinha agora todo o tempo deste mundo.


...

2 comentários: