10 de fevereiro de 2016

A QUEM SUSPIRAR?

Dia de sol. Piscina. Pais, filhos, parentes em geral e avulsos.
Chega a família típica: casal e dois filhos. Atrás, a babá.
Ocupam logo uma mesa.
Vão para a piscina, menos a babá.
A tarde passa.
O calor é grave, a água já deixou de ser cristalina.


Saída da escola: a empregada está esperando a menina, que lhe entrega a mochila quando se encontram.
Tomam o caminho da casa. Vão a pé.
A casa deve ser perto. A mochila com rodinhas pula no calçamento.
A mulher, que é manca, vai devagar. Deve ter uns 50 mal vividos. A menina segue à frente, como numa pintura de Debret.

Dia de praia, sol glorioso.
A praia é um espaço democrático, dizem todos.
Nem tanto. Ao primeiro olhar já vi duas babás sem biquíni.
Duas babás sem direito ao mar.


Eu disse que as babás eram negras?
Nem precisava.

...

9 de fevereiro de 2016

TAPA NAS COSTAS


Aqui, genial e imperdível, Daniel Santos.

TAPA NAS COSTAS

Fechou os registros de água e de gás, desligou a chave da luz e regou a begônia pela última vez, impessoal, burocrático, sem manifestar desejos nem simples vontades. Não queria mais. Mais nada. Nunca mais.
Depois, desceu dois lances de escada, deu “bom dia” ao porteiro e atravessou a avenida por entre automóveis sem atentar à própria segurança, porque àquela altura nem a vida valia mais a pena. E era Carnaval.
Foi, assim, andando na direção do mar, em busca da diluição definitiva, já sem consciência de si, mas, a meio do caminho, ao dobrar uma esquina, a mão de alguém golpeou-lhe as costas num repelão imperativo.
De um susto, recobrou os sentidos e tentou escapulir dos foliões que, num bloco frenético, o empurravam para adiante e adiante. Em vão. Depois, sacudiram-no, abraçaram-no, deram-lhe de beber ... Ah, que farra!
Pulou muito pelas ruas e caiu, enfim, exausto no banco da praça, o entusiasmo da vida latejando nas têmporas. Entrou no mar só para tirar o suor e voltou a casa sem pressa. Tinha agora todo o tempo deste mundo.


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