24 de maio de 2015

O INFERNO

Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo. 
(Marcola - líder do PCC - entrevista concedida ao jornal O Globo em março de 2014)

Pois aí está. O pessoal da Lagoa, que há alguns anos pendurava faixas com "Basta", não se organizou suficientemente. Não acreditou suficientemente que estava alimentando o monstro. E agora está preocupado com a fome insaciável e cruel dos ladrões de bicicletas que os esfaqueiam e matam.
É horrível? É. 
Mas é horrível que aconteça em qualquer lugar. 
O Rio de Janeiro não é mais a cidade partida. É uma cidade estilhaçada. Agora não importa se são ricos ou pobres, a violência apoderou-se  de todos os espaços.   
Isso, já sabemos, é fruto da desigualdade social. Essa desigualdade social passa por falta de moradia, educação, oportunidade e respeito. Também por conta da indiferença com que os ricos olham os pobres em tragédias que parecem ficcionais e que aparecem, de relance, em suas grandes telas de tv. Agora (que susto!) esses bandidos mirins invadiram o território dos ricos. Daí a perplexidade. Os bandidos mirins já não são só figurantes na tv. Eles são protagonistas da vida alheia. Da morte alheia.
O que eu digo é tão antigo, tão repetido que às vezes também me parece banal.
Há poucas chances de diminuir essa discriminação que nos acompanha desde a escravidão e que não terminou com a abolição. Somos um país misturado governado por brancos cujo braço armado, a polícia, tem especial preferência por negros (para bater, prender e matar) sem que sequer reconheçam  a própria cor e a sua condição de discriminados: por serem pobres, por serem negros e por serem polícia.
Sim, a culpa não é toda da polícia. Não há uma política de Estado que se dedique a esse grande problema social. Não há ninguém que queira resolver nada. Todos estão confortáveis em seus lugares reservados.
E repetindo Marcola: Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi cheentrate!" - Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
  

4 comentários:

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    1. À sua revelia, tomei a liberdade de postar essa matéria em minha página no face, tão necessitada de um "choque de gestão"...

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  2. Geralmente omissas, nossas autoridades tornam-se subitamente punitivas quando cutucadas pelo clamor popular. Incapazes de oferecer uma solução compartilhada, pq não pensam o problema (falta de hábito, talvez), elas voltam à inércia junto com o refluxo das massas. Tudo sempre assim, rapidinho, nas coxas, sem prazos, em ritmo de sobressalto, a tempo de inglês ver. Parece que nos satisfazemos apenas em mostrar e perceber no olhar do outro uma aprovação. E, se o outro nos diz que somos os tais, é porque assim somos, de fato - eis a ilusão que perseguimos desde sempre, estado e nação. Na verdade, ainda não constituímos autocrítica. Vivemos uma etapa da barbárie em que não contamos, nos acreditamos irrelevantes, desprezamos a nós próprios. Estarrecedor! Teremos ainda muito a viver até constituirmos o que poderemos chamar de povo brasileiro. Tomara que isso seja verdade. Façamos figas.
    Daniel Santos

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