17 de julho de 2014

POESIA CONTRA A GUERRA

Tenho abandonado meu blog, que é como um diário, sem muitas normas, que escrevo com a estufa ligada e uma outra chama, que reconheço minha. Enfraquece, a chaminha azul.  
Deixei-o pela indiscutível eficácia do facebook, mas volto, como se voltasse a mim mesma, menos pública, de pantufas, na árvore longínqua em que vou me transformando - um tronco, pronto a se observar por centenas de anos.
A guerra me atravessa. Mas eu sei, e vocês também, que sempre há tempo de guerra em algum lugar. Umas são mais midiáticas, todas são contra os pobres.
Houve o tempo da resistência pelas idéias, da resistência armada, dos radicalismos. Dos hiatos a que chamaram paz. Tratados desonrados do aperto de mão a assinaturas intraduzíveis. Sempre há. 
Não devemos incorrer nos mesmos erros. Guerras não são partidas de futebol que nos levem a torcer por um ou outro time. Nada de raças, bandeiras ou religiões de preferência. Estamos tratando da mesma humanidade. 
O que não devemos nunca esquecer é o que já aprendemos pela voz do poeta. E a poesia é a alma da paz.


A Guerra que Aflige com seus EsquadrõesA guerra, que aflige com os seus esquadrões o Mundo, 
É o tipo perfeito do erro da filosofia. 

A guerra, como tudo humano, quer alterar. 
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito 
E alterar depressa. 

Mas a guerra inflige a morte. 
E a morte é o desprezo do Universo por nós. 
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa. 
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar. 

Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs. 

Tudo é orgulho e inconsciência. 
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto. 
Para o coração e o comandante dos esquadrões 
Regressa aos bocados o universo exterior. 

A química directa da Natureza 
Não deixa lugar vago para o pensamento. 

A humanidade é uma revolta de escravos. 
A humanidade é um governo usurpado pelo povo. 
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito. 

Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural! 
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem, 
Paz à essência inteiramente exterior do Universo! 


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa




2 de julho de 2014

MORDIDAS E BEIJOS


Pois eu, que não me interesso por futebol e não sei nem os horários dos jogos acho que a punição de Suárez foi exagerada. Gostei de Suárez porque achei que se assemelha a Ricardo Darín, um pouco, só, mas reparem bem. Aqueles dentinhos...  Uma associação, no entanto, é pouco para fazer juízo.
Fiquei sabendo depois que já tinha havido um antecedente, de modo que melhor será abandonar a prática antes que se transforme num hábito porque a coisa pode evoluir para outras mordidas e outras formas de ataques, e quando menos esperarmos o amor selvagem estará aceito e poderemos dizer que um jogador é mais gostoso do que outro; que um é melhor com molho e o outro, assado, é melhor que um gol.
Talvez a Fifa não aceite churrasquinho no campo, ou na arena, que é mais propícia, se conseguirmos esquecer que um dia arena também foi sigla de matadores. Mas quem sabe a Fifa também vai se abrasileirar depois dessa?
Simpatizo com Suárez, mas minha preferência foi para Cavani, que parece furioso mas talvez não seja, e vem ilustrar esse texto que parece sobre futebol mas também não é  E já começa rindo.

Isso porque, confidencialmente, conto-lhes: alguma coisa está acontecendo que passa longe da Copa, das confusões de sempre, do desentendimento mundial e das brutalidades religiosas. Alguma coisa tem me pacificado e posto, sem mais nem por quê, a adorar, cada vez mais, o sol, e então me ocorreu que não é a primeira vez e que sim, às vezes a divindade nos olha, nos apresenta um poema ou apenas uma sensação de estar que não se assemelha a nada parecido e que se é tão rara de ser vivida é porque talvez seja raramente percebida.


Uma sensação apenas. Um sentir-se bem, diferente, escolhido, premiado.

Por isso esse poema que recordo (e recorto). O poema pode não ser, mas a sensação que o criou foi melhor que os melhores beijos de todos os amores inaugurados.


SETEMBRO

não me ocorreu 
(ou talvez sim)
por medo
ou vergonha (um pouco)
dizer que sou
estou sendo
tenho sido
tenho estado
(perdão)
                    feliz

outro dia

e acordo ainda
perceptivelmente
(até quando?)
feliz 


* este blog não segue as normas da reforma ortográfica.

...