31 de janeiro de 2014

A SENTENÇA E A LEI

Agora, que a maré mudou  e todos aqueles que pensam o mundo em busca de soluções admitem que o modelo repressivo da política para drogas fracassou;  que algumas pessoas estão afinal dizendo o que pensam a respeito da necessidade de tolerância; que o governo se faça de bobo e nem toque no assunto, enquanto Fernando Henrique já saiu na frente, eis que aparece, como num milagre, um juiz, um juiz do distrito federal, um homem de verdade, a usar a palavra para se contrapor à truculência.
Ó maravilha. Ó esperança revisitada, orgulho de nação, epifania.  

Se a lei é falha, a justiça não pode falhar. Um juiz é muito mais do que um funcionário público que recebe direitinho e tem privilégios variados. Um juiz precisa olhar a todos como iguais e analisar o contexto, o risco, o exemplo e a vida sob a letra da lei. Mas nada poderá se sobrepor à consciência. Esse é o ditame da razão e da ética, isso é o que o faz de um homem juiz, um juiz justo. 


A Internet propagou a notícia em larga escala, por inusitada. A primeira impressão é de que o cara é completamente maluco por enfrentar assim o sistema que ele conhece muito mais do que eu, mas ao ler os fundamentos da sua decisão, tudo fica claro, e volto a me questionar sobre a absoluta falta de senso que move governos e polícia numa guerra sem fim. Uma guerra civil.


Vale a pena ler;


"A Portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não justifica os motivos pelos quais incluem a restrição de uso e comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato administrativo", afirmou o juiz, na sentença.
"Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias", continua."Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias". Agora vamos ver o que acontecerá ao juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel. É um caso a acompanhar porque para todo o ato independente há represálias. O Ministério Público, os caretas de plantão, os lobistas das armas e do tráfico, os evangélicos alucinados, os convertidos e os pervertidos, todos eles se levantarão contra a letra libertária do juiz de Brasília. Haverá um ônus. É uma guerra de muitas frentes.

Que a força da sentença se propague e vença, de vez, o atraso e a ignorância.

Força aí, juiz, que é duro ser feliz "num país atrasado e de política equivocada".

Gratíssima pela alegria que me causou. É uma causa em processo.

P.s. Por que me atrasei na postagem, olha aí o que já aconteceu:

Por unanimidade, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) reverteram nesta quinta-feira, 30, a decisão do juiz Frederico Maciel que havia absolvido um homem flagrado traficando 52 trouxas de maconha por considerar inconstitucional a proibição dessa droga.

Já era de esperar. Mas o caso veio à tona. Existe um juiz assim. já é uma grande coisa. um.


Outro P.S. na falta de foto do juiz, vai essa bonitinha aí.
....

30 de janeiro de 2014

O CRIME FOI EM JANEIRO


A representação do mapa meteorológico é impressionante. Enquanto chove no país todo, sobre o Rio há uma massa de ar quente que não se dissipa há um mês. As frentes frias que vêm do sul não conseguem penetrá-las, vão em direção ao oceano e passam ao largo. Na aurora e no crepúsculo estão os êxtases do dia.
Um vermelho fogo paira sobre o Rio de Janeiro como uma maldição. O calor é demasiado, mais para uns do que para outros, sempre, e junto ao desconforto natural, soma-se o desconforto das obras com que o príncipe tortura seus súditos. O príncipe talvez sofra de um mal incurável, que é a paixão pelo eu. E por saber disso preenche sua  vida com mais e mais brinquedos, que logo despreza, que nunca vão até o fim, que demandam dinheiro e selam o compromisso com o seu reinado feroz.

Talvez seja esse momento fogo que cause tantas tragédias. Talvez sejam os astros, ou os deuses, espantados com a capacidade do ser humano de ser tão cruel, pelos séculos afora. Sempre tem um sem noção para acender o estopim. E quando acerta traz à tona a cadeia de irresponsabilidades em que se baseiam os governos, cuja ideologia é: Vamos deixar assim mesmo. Pode dar problema, mas pode ser que não. E enquanto isso o custo fica mais barato, somando-se às moedas por uma preferência na licitação. Traição.
Não foram culpadas a prefeitura, a administradora do pedágio ou a polícia. E é ótimo para todos quando há uma evidência que aponta para outrem.
Até que terminem as investigações, outros mortos a chamarão a atenção.

É assustador olhar no céu e também no chão o vermelho mais rubro, que é denso, que é quente, que era humano e agora escorre pelo asfalto.
Danemo-nos todos na ante-sala do inferno de poeira cinzas cones guardas celulares e placas insuficientes
Danemo-nos frente à iniquidade, ao abuso, aos devaneios estéticos e i(logísticos) dos governantes.
Um final para esse texto seria grave demais, triste demais, apocalíptico demais. Uma cidade tão cheia de graça! Mas por ela andamos de luto.






27 de janeiro de 2014

A PEQUENA BELEZA

Alguma coisa está fora de ordem, isso é certo, e não é de hoje. Digamos que, com a velocidade da pedra, alguma coisa acontece. Está acontecendo até no jornal O Globo, que publicou no chamado caderno Prosa e Verso, DOIS - é isso mesmo, caros leitores descrentes: DOIS POEMAS inteiros, numa PÁGINA INTEIRA. Claro que isso não nos isenta de ter compositores, ainda que grandes compositores, escrevendo sobre nada, enquanto os escritores... Por outro lado, um escritor que tem coluna semanal, prefere falar sobre videogames, que não sei se é coisa que os escritores leriam até o fim. 

Outra coisa: na mesma edição, DUAS matérias grandes (e bastante simpáticas) sobre a legalização da maconha. 

E quero aproveitar aqui para falar um pouco mal do filme  A GRANDE BELEZA, que nos impingem como grande obra e que é, a meu ver, um ensaio canhestro para reviver o quê? O que já foi feito por Fellini e não é possível copiar por falta de gênio criativo. O diretor apostou em Fellini e acertou (ou errou) em Benigni. Na tentativa de abordar o tédio, causou foi sono e não passou nem perto de Antonioni, que já tinha esgotado o tema. Além disso, para terminar de entediar o espectador em duas horas e meia mal vividas, você ainda é obrigada a assistir, nada mais nada menos do que Itamar Franco, que alguns imbecis chegaram a chamar de o novo Mastroianni. 
Certamente, alguma coisa está fora de ordem.
Mas aqui está Marcelo, que há de nos perdoar. 


* Serei justa: o filme tem momentos engraçados, mas não chegam a 15 minutos.

24 de janeiro de 2014

ADOLFINHOS

Eu poderia começar com "Quando menos se espera..." Mas não. Essa é uma expressão que não cabe em se tratando do governo do Estado porque dele tudo se espera, e a qualquer hora. Foi de uma audácia surpreendente conceder desconto de 50% no pagamento do IPVA para empresas de transporte público, e ainda para que as empresas possam reduzir as tarifas, que por sua vez já tinham aumentado na véspera. Essa é boa. Eis o governador, sempre capaz de causar impacto. Está mal na foto e nas pesquisas, mas ousa. Sem nada temer, determina o que lhe vai na cabeça, sem nenhum pudor, mesmo depois de tudo que lhe aconteceu em 2013. É assim que acontece com quem se tem em altíssima conta. 

Ao seu lado, com o mesmo perfil, o secretário Júlio Lopes, também arrogante, também audacioso. Ousou até ir ao local do descarrilamento e foi flagrado dando risada em meio ao caos patrocinado pela Supervia. Certamente por ter sido inocentado pela justiça das responsabilidades que causaram o acidente com o bonde em Santa Teresa, em 2011, quando morreram seis pessoas. O culpado foi o motorneiro, morto no acidente. Décadas de abandono, é o que dizem... sempre há uma desculpa para a Justiça comprometida. Está limpo, o secretário Júlio Lopes. 


Também o representante da Supervia diz que os trens estão mal há mais de uma década, e deve ser por isso que também não fez nada para melhorá-los. De modo que devemos deduzir que o tempo é o culpado de tudo. Se você, jovem administrador, chegar novinho em folha para trabalhar e o pessoal disser que você deixe para lá, que o negócio é assim mesmo, cortando as suas pernas, jogando gás de pimenta nos seus projetos - saiba - você está no serviço público, onde nada se mexe. Nem mesmo o transporte. Se mexer, é para fazer você cair no buraco. Ou para pegar a mala, sempre pródiga. Agora o suborno tem o beneplácito da lei.

Fico pensando nele, e também no governador, os dois bebês bonitinhos, para quem os pais sonhavam um futuro brilhante. Espertos, os dois. Inteligentes, os dois - já prometiam. Pois não é que foram se encontrar no mesmo partido? Essas almas sempre se encontram. Formam uma legião. Para que existam é preciso que outros se sacrifiquem; que morram, de um jeito ou de outro, de tiro, acidente de rua ou construindo estádios.

Pobres empresas de transporte, assim incompreendidas. É preciso que se mantenham. Como poderão atirar migalhas aos pobres, como fizeram num casamento no Copacabana Palace?
Me pergunto se a vida inteira é e será essa luta de exploradores contra explorados, de final conhecido. Me pergunto como podem esses homens, as criancinhas de ontem, terem enveredado por um caminho sombrio, a procederem como chefões mafiosos, escancarando as relações criminosas entre governo e empresas.
Quem diria, os bebês, Julinho e Serginho. Só podiam ser da mesma turma. 
E pensando em tudo isso deixo-lhes aqui um poema da imbatível Wislawa Szymborska.



Primeira foto de Hitler
(trad. de Regina Przybycien)

E quem é essa gracinha de tiptop?
É o Adolfinho, filho do casal Hitler!
Será que vai se tornar um doutor em direito?
Ou um tenor da ópera de Viena?
De quem é essa mãozinha, essa orelhinha, esse olhinho, esse narizinho?
De quem é essa barriguinha cheia de leite, ainda não se sabe:
de um tipógrafo, padre, médico, mercador?
Quais caminhos percorrerão estas pernocas, quais?
Irão para o jardinzinho, a escola, o escritório, o casório
com a filha do prefeito?

Anjinho, pimpolho, docinho de coco, raiozinho de sol,
quando chegou ao mundo um ano atrás
não faltaram sinais na terra nem no céu:
gerânios na janela, um sol primaveril,
a música de um realejo no portão,
votos de bom augúrio envoltos em papel crepom rosa,
pouco antes do parto,o sonho profético da mãe:
sonhar com uma pomba - sinal de boas novas,
se for pega - vem uma visita muito esperada.
Toc, toc, quem é, é o coraçãozinho do Adolfinho que bate.

Fralda, babador, chupeta, chocalho,
o menino, com a graça de Deus e bate na madeira, é sadio,
parecido com os pais, com um gatinho no cesto,
com os bebês de todos os outros álbuns de família.
Não,não vai chorar agora,
o fotógrafo atrás do pano preto vai fazer um clique.

Ateliê Klinger, Grabenstrasse Braunau,
e Braunau é uma cidade pequena mas respeitável,
firmas sólidas, vizinhos honestos,
cheiro de massa de pão e de sabão cinzento.
Não se ouve o ladrar dos cães nem os passos do destino
Um professor de história afrouxa o colarinho
e boceja sobre os cadernos.

...

17 de janeiro de 2014

DORA LOCATELLI (1941-2014)

Quando morre um poeta, a oração que faço é ir à sua poesia e estar com ela mais uma vez, nunca a derradeira. É um outro tipo de ritual, desejoso da presença do outro. É uma reza em que o leitor comunga do sentimento vivido pelo autor e, finalmente, dele libertado. 
Dora Locatelli deslocou-se desse estado de ser vivente, para outro, que não conhecemos, mas que pressupomos, alguns de nós, que é apenas uma próxima etapa em que fatalmente nos veremos como somos e não como queremos ou parecemos. Talvez esteja no Bloco do Amor Demais, para o próximo Carnaval, quando encontrará os poetas recém partidos - quantos! Talvez esteja aqui em casa, com Luiza, Augusto, Rosane, Igor e Oliani. Talvez encontre Joana Maria, cujo santo de devoção era Antônio e que talvez abençoe essa conspiração e então leremos os nossos poemas mais fundos, de poetas para poetas, com o silêncio necessário, a respiração suspensa e a emoção em alta.
Uma mulher alta, Dora Locatelli. Uma bela mulher, culta, curiosa, de olhos transparentes, frágil. Morreu de amor, pelo que sei. O amor que a despertou um dia em Passa Quatro, nas Minas Gerais. O amor que a impeliu a estudar e depois ensinar Literatura. O amor que arrastou pela vida e sobreviveu na  poesia.
A causa da morte é sempre técnica. A verdade é que a dor do amor negado não tem cura. Não pode ser percebida nos exames médicos. 

O livro A RAIZ DO TAMBOR foi publicado em 2011, com prefácio de Igor Fagundes e texto de orelha de Mariel Reis. Dora estava feliz por fazê-lo na celebração dos seus 70 anos, apesar de

Conjunção alternativa

Ou sou eu mesma
e me isolo dos outros
ou me cedo a eles
e me afasto de mim.

O livro ficou bonito, com uma capa inspirada de Gabriel. Passamos várias vezes pelos poemas, conversávamos sobre eles. Num desses encontros em sua casa ela me presenteou com uma muda de jasmim. Não pude trazê-lo na mudança. Está lá em Piratininga, Niterói, perfumando um jardim por onde Dora jamais andou. 

Dora era paixão ao extremo, sensível ao extremo, marcada ao extremo.
E um dia, de repente, foi-se. De repente? Não tanto. Já vinha dando sinais que nunca entendemos antes. Foi-se a poeta querida. Mas foram-se também a tristeza, os desacertos do corpo e uma delicadeza que chegava à complacência. Um coração atingido por flechas. Eis a imagem. Mas Dora sorri - encontrou o caminho dos tambores que a levaram à raiz da existência. Ficamos nós, na inquietação da nossa própria morte, sabendo que, ao fim, já é bom pensar nela como se chegada a hora de sonhar. 
Deixo-os com a poesia, a melhor companhia, na vida ou para a morte. 





SOBREVIVENTE

O fundo do poço
é tão fundo
tão profundo
que anestesia
põe em coma.

É fácil fechar os olhos
para dormir ou morrer.
E mais nada.

Ó sobreviventes,
"voi ch´entrate"
recuperastes na volta
vosso quinhão de esperança?



FOGO & FLEUMA

Eu te assustei com o alarido
de minha voz apaixonada
com os gritos despedaçados
exigindo tua presença
morna e sempre distante.

Quis acordar-te para o fogo
o relâmpago a tormenta
que sou eu-tempestade.
Mas teu mar de calmaria
jamais pôde entender a imensidão

de minha seiva rutilante clamando
pesada de tamanha ternura
escorrendo, feroz e corrosiva,
pelo tronco velho
de minha aparente fragilidade.

Teu desamor jamais suportaria
queimar-se neste fogo porque
desconheces a vertigem da entrega.
Escolheste o caminho da partida
submerso em fleuma e mornidão.




PONTO DE CRUZ

Quem é este animal
que uiva dentro de mim
neste começo de manhã?
É a loba pra lua
é a cachorra no cio
são as mãos sem a outra mão
o peito sem o abraço
a anêmona pulsando
perdida num mar sem fim.
É o eu estar só
ser um único ponto isolado
marcado em cruz
bem no meio do mapa
da vastidão deste planeta.
O mais são sombras
que passam ao longe.
Ao longe passam as caravanas: camelos voam apressados
para a venda de mercadorias
E só.
Na vastidão deste planeta

RIOCENTRO

A presteza
do calor do teu braço sem nome
no meu ombro
me salvando da desorientação
do caos de braços pés e pressa,
no sumidouro de um deus-me-acuda
me adoçou, me abriu o sorriso.
Me enrosquei
me enrodilhei em ninho
ali mesmo
no centro do Riocentro
no umbigo do mundo
no ovo.

Tua voz de macho e tabaco
- sons do esperma primordial -
descem em espiral por meus ouvidos.
Recebo o vento de teus acentos sulinos
e como a Virgem, te aceito
e outra vez concebo, extasiada.



UM CERTO AR DE MEDÉIA

Imóveis estão
todos os objetos
e a sala.
Num canto, ela,
estátua de sal
do choro de muitos anos.
No entanto, ela te espera, te espreita
atenta ao som de teus passos
quando as cortinas se abrirem.
A dor é tanta
que já nem sabe mais
se te abraça
ou estraçalha
com seu punhal de rubi
com seus dentes de jaguar.

DO CANSAÇO

O poeta popular
bem chegado ao Azevedo
das tênebras e tristezas
que hoje seria dark,
exauriu-se de amores.
Incapaz de paixão
só quer a paz
sinistra do caixão.
Sobram-lhe saberes e dissabores.
Não vê que na vida
a cada dia a cada passo
prazer e dor
se enlaçam no mesmo abraço
da mesma dança
mesma escritura.
Voraz, a vida
se nutre de paixão
         e de loucura.


Veja mais sobre Dora Locatelli em
http://www.panoramadapalavra.com.br/poeta_da_vez72.asp

4 de janeiro de 2014

MACONHA E PARANÓIA

Li no jornal de hoje a coluna do sr. Arnaldo Bloch sob o título A maconha e o estresse pós-traumático no Brasil. O colunista usa a maconha como gancho para algumas queixas em relação à sociedade em que vive, predominantemente relacionadas ao futebol. Estimulada, escrevi-lhe essa cartinha. Já agora há alguma diferença entre o texto que enviei e o que reproduzo aqui.  Mas acho que foi para melhor. Grande abraço aos apoiadores da causa, ou ao menos aos meus apoiadores pessoais. rsrsrsr



Prezado Colunista,

Li sua coluna e decidi comentar alguma coisa, porque não é bom que um "formador de opiniões" escreva para pessoas que têm outra opinião sobre o tema e elas não se manifestem.
Primeiro, acho que o fato de Sean Azzariti ser o primeiro comprador de maconha legal no Estado do Colorado é importante para a sua trajetória pessoal e mais importante ainda porque marca um momento histórico do movimento pela legalização em que a razão se sobrepõe ao preconceito. 
Sean deve estar feliz por se tornar, finalmente, um cidadão legal, de posse de direitos individuais que durante tanto tempo lhe foram negados. 

Observo que os colunistas do jornal O Globo (mais do que a televisão) estão se tornando mais maleáveis ante a questão, apesar de tratarem o tema com ironia. A ironia é, a meu ver, uma forma bem-humorada de expressar o desencanto. Já na televisão não param de mostrar apreensões, que é uma forma mal-humorada de mostrar força. 
Veja você: o que faz com que a polícia "desconfie"de um caminhão rodando pela Via Dutra cheio de maconha? Estarão tão perspicazes assim, os policiais? Ou ainda estão dependendo da delação? 
Prende-se quem? O Motorista - para quem aquela era uma viagem em que ganharia algum dinheiro extra.
Traficante grande não dirige caminhão com droga. E a droga? Assim como o preso que morre dentro da viatura, também a maconha deve dar uma de "desaparecida".

Hoje, se nossos netos nos perguntarem por que Mandela esteve preso durante 27 anos respondemos que ele estava lutando pela liberdade do seu povo. O olhar que eles nos lançam não é possível sustentar. Somos burros? Intolerantes? Arbitrários? Sim, respondemos. Fomos assim.
Da mesma forma acontecerá com a maconha legalizada. Ninguém acreditará que pessoas eram presas, mortas e mantidas na cadeia ad infinitum porque estavam fumando um baseado. Ninguém acreditará no quantum de gente morta em "autos de resistência" e, mais modernamente, sem auto e sem resistência. À queima-roupa mesmo, no interior de algum carro tenebroso. 
Claro que existem os grandes traficantes. Mas a cadeia é pra arraia miúda.
Outra coisa que necessito comentar é a menção irônica e a respeito das marchas, quando diz que elas se limitam a "ingênuas marchinhas litorâneas sem qualquer sofisticação estratégica". Ora, como é possível ?  As marchas são movimentos de jovens, os jovens não têm dinheiro para patrocinar nada.  Não sei se você já participou de alguma, acredito que não, mas saiba que se não fosse a energia dos jovens ela não se repetiria a cada ano, tal o trabalho (e as despesas) que dá, mesmo assim. A grande imprensa não aparece, a não ser que haja confusão. Aparecem os independentes, no máximo os CQCs da vida.
A Marcha é fraca, pode ser, mas existe, e existindo elegeu um Vereador. Podia ser melhor? Claro que sim. Não é maior porque as pessoas são ignorantes ou alienadas, pensam que a questão é supérflua, frente aos "problemas de hoje", mas não se dão conta que grande parte dos problemas (e das mortes de hoje) advém da proibição. Também não vão os pais, que outrora fumaram e agora deixaram (para dar o bom e hipócrita exemplo). Não vão os pais que não querem nem conversar sobre o assunto e fazem com que os filhos se afastem de casa. Não vão as mães, pais e irmãos dos jovens presos porque vendiam, portavam, fumavam ou tiveram o flagrante plantado pela polícia.
Gays também não vão, embora muitos fumem.
Políticos não vão porque têm medo. Gabeira, como se sabe, ao ser candidato a prefeito, preferiu afastar-se do tema. Além disso, há em todos os partidos, atualmente, a bancada dos evangélicos, que não admite argumentos contrários aos credos. 
Quem, portanto, patrocinaria a Marcha da Maconha? O Eike Batista?

Concordo com você sobre a dissecação das biografias. Mas também me espanta o espaço que a mídia dá a questiúnculas. Afinal, quem faz a pauta? 
Talvez fosse bom que intelectuais e artistas se interessassem por causas sociais e políticas, ao invés de abanarem os véus dos próprios umbigos. Os intelectuais e artistas , infelizmente, por problemas contratuais, ou porque se acham acima do bem e do mal, não se aliam ao movimento.

A maconha, sempre é bom lembrar, chegou ao Brasil numa onda de paz e amor. No final dos anos 60 ainda era tranquilo o ambiente no Rio. Os traficantes eram velhos senhores que convidavam o freguês para suas casas, no morro, recebiam com a família e até convidavam para um baseado. Não havia armas. Não havia os soldados do tráfico. A polícia não estava ainda caçando maconheiros. Havia muito ainda o que fazer nos porões da ditadura. A sanha da polícia política estava ainda sendo aplacada. Sangue não faltou.

Foi depois que aconteceu o terror, que segue até agora, numa vergonhosa política de extinção (ou pelo menos de diminuição) de pobres e negros, que leva o nome de guerra às drogas. Parece que tem funcionado, se olharmos as estatísticas.

A outra coisa - que nunca será a última porque o assunto não tem fim - é que o Brasil ainda não fez as contas de quanto lucraria com a maconha. No dia em que fizer, vai mudar direitinho de opinião. 
De outra forma, só se os Estados Unidos permitirem. Paradoxalmente, já estão permitindo no próprio território, enquanto o Brasil segue as ordens da matriz. Desse jeito, de emergentes passaremos a náufragos.

Felizmente, a fila anda e a história não pára. E a maconha é tão, tão marginalizada que até uma opinião contra, ou irônica, ou contrária é  bem-vinda. Ao menos traz o assunto à tona.
Um dia, quem sabe, os leitores de notícias da Globo registrarão a Marcha da Maconha informando que é "um programa para toda a família".
E os babacas que ligam para a polícia porque não gostam do cheiro, ou que acham que maconha mata, ou "que a maconha é a porta de entrada" ou pais que se revoltam porque há crianças (embora eles mesmos, os pais, digam coisas horríveis à criança) terão que ficar na sua.

Os fatos são imprevisíveis. A história é surpreendente. 
Quem era traficante terá status de investidor.
E a terra dará seus frutos para todos.

Era isso. Obrigada pelo estímulo.
Helena Ortiz 


2 de janeiro de 2014

CORAGEM, O MELHOR JÁ PASSOU!

                                              Helvio Lima


frase é de um filme do genial Ettore Scola, La Terrazza, que se passa numa festa onde circulam intelectuais italianos, gente de cinema e jornalismo. O elenco tem Vittorio Gasmann, Jean Louis Trintignant, Marcello Mastroianni, UgoTognazzi e Stefana Sandrelli. Nada mau, não é? O cinismo e o conformismo marcam o ritmo das situações que ligam os personagens. 

O título desta postagem tem a ver, naturalmente, com a passagem do ano. Há muito tempo passo pela mudança de ano, até que um dia ela começou a passar por mim. Hoje já nem sei se nos encontramos, tão rápido é o tempo, tão lenta a passagem. Sei que é no cinema que me encontro, dentro dos filmes que revejo e que me levam a outras épocas, a outras pessoas, e é assim que vou compreendendo, sobrevivendo, vivendo a arte. Devo isso principalmente aos filmes que tinham o que dizer, e que ficaram para sempre na história do cinema, ao contrário de outros, caríssimos, que não duram uma temporada.



A brasileira membro do Greenpeace,  por quem certamente pediram todos aqueles que não aceitam a intolerância e o autoritarismo, voltou dizendo que é contra o pré-sal, e eu achei bom, é claro, porque é uma voz em sintonia, mas depois disse que ia agora defender as orcas. Nada tenho contra as orcas, mas talvez o Greenpeace não impedisse a extinção dos dinossauros e outros que vieram depois, na evolução natural das espécies.


"Nossa" Ana Paula esqueceu-se dos "nossos" índios, que estão a perigo e também em extinção. Nossos antepassados, os índios, os guardiães da terra quando chegaram os descobridores, leia-se invasores, que os massacraram  e massacram até hoje, tomando-lhes a terra fértil, invadindo as reservas, ensinando-lhes o que há de pior, até que sejam totalmente extintos e as terras possam, afinal, ser desmatadas em paz e transformadas em dinheiro para os madeireiros e seus bandos. 
Se o Greenpeace dirigisse os olhos para os nossos índios, que não são baleias nem tartarugas, mas gente, gente nossa, seria um grande feito. O Estado brasileiro comete um crime infame sem que haja uma decisão de fato. É infame. Invadidos, roubados, terras confiscadas, incêndios, ataques, violência, os índios nunca foram vistos como gente. A história da preservação da terra e da cultura indígena é puro cinismo. Vão matando aos poucos até que caibam todos numa oca. 
Mas os ativistas preferem as orcas. Enquanto isso, destrói-se um manancial de conhecimento, arte e cultura.

Não agradeci ainda aos caros amigos que se manifestaram por ocasião da morte de Sócrates, o gato. Fiquei grata e percebi que o ser humano mais se compadece com a morte de um animal, mesmo desconhecido, do que com outras questões de que tratamos, como política, polícia e poesia, porque esse fato traz a lembrança de cada um o convívio e a perda do seu próprio animal, a lealdade com que contava e a dedicação desinteressada, coisas raras em seres humanos, hoje.  

Não tenho projetos para 2014. Pretendo realizar alguns que não cumpri em 2013, como a leitura de livro inédito de Alexandre Guarnieri, Corpo de festim; do Mafuá do Maluco, de Agilberto Calaça, e d´O homem dos patos, de Diana de Hollanda.


Li as Histórias para lembrar dormindo, de Bráulio Tavares e A Estranha morte do Dr. Antena, de Mário de Sá-Carneiro. Também o livro vencedor do prêmio Portugal Telecom, O Sonâmbulo amador, de José Luiz Passos, de que gosteibastante. E senti muita, muita falta de José Saramago, minha leitura certa de final de ano, encerrada em 2010. Posso reler, é claro, mas não eram só os livros, era a presença dele no mundo que me consolava.


Quanto à legalização da maconha pelo Estado do Colorado, em terras norte-americanas, não chega a me entusiasmar. Se o preço for tão caro como prometem, não irá ajudar em relação ao fim do tráfico. Será, mais uma vez, apenas uma saída (ou entrada) para o lucro, sem preocupações sociais, lugar comum do capitalismo. O que não se sabe é porque foi uma comissão dos EUA ao Uruguai logo depois que o projeto da legalização foi aprovado pelo parlamento. Terá sido para aprender ou para assustar?

Preparemo-nos, pois. 2014 vem aí com Carnaval, Copa e eleições. Não vai ser fácil. Coragem, brava gente, o melhor já passou. Enfrentemos o que virá. E aproveitemos todos os momentos que pudermos perceber de sossego, criatividade e alegria. Sim, eles existem, mas atenção: em um segundo já se foram, um gesto os afasta, um vôo os espanta.
De resto, não sejamos ingênuos. Não existe paz armada. Nem justiça que tarda. Nem democracia racista. Há muito para caminhar. Fiquemos juntos. E sigamos com o sonho, sem o qual também não existem razões para viver.


...