7 de abril de 2013

CIDADE CAÍDA

Muitas vezes comecei esse texto. Não porque alguém precise dele. Todos estão já atribulados com seus pensares, mas porque eu preciso escrevê-lo para tirar de mim esse peso nos ombros, esse terror. Nem consigo me recuperar do último assombro, logo outro explode na minha cara. Na televisão todos sorriem. E depois de nos dizerem que o mundo explode ainda ouvimos: vamos mudar de assunto, vamos falar de futebol. 
Não raro vemos que também no futebol tem havido mais violência, e ninguém conhece a mente dos jogadores de futebol, pelo menos ninguém conhecia a de Bruno, o goleiro.
Os estupradores da van. Que coisa mais terrível. E quantas vezes aconteceu? Muitas, ao que parece. A maioria das vítimas não comparece. E a vergonha se explica. Isso, meus amigos, é tortura. A tortura não é só o que aconteceu na ditadura. A tortura é hoje porque a ditadura ainda existe, só mudou de origem, multiplicou-se.
Fala-se em futuro, mas o Rio desaba. Se acompanharmos pelas fotografias as mudanças havidas na zona portuária veremos que é tudo cosmético. Atrás, subindo a Pedra do Sal, no entorno, será sempre como o Pelourinho. Pinta-se o que é bonitinho e vamos em frente até que alguma coisa aconteça. Aí a gente vê. Ali moram os de sempre: trabalhadores pobres, em casas que já foram ricas e não são mais; que cairão, como caíram as fortunas e as modas. Mas antes disso haverá despejos, sempre mais. Na madrugada, a polícia chegará com suas patas e acordará os miseráveis para que não possam pegar nada de seu, para que saiam em desespero, em pleno susto, para que percam, como perdem a cada investida, o que ainda têm de seu: a pele e um coração teimoso. 
Um dia é despejo, outro dia é incêndio, desabamento, acidentes - sempre a perplexidade e a pergunta:  como pôde acontecer? 

A ruína física do Rio influencia também os seus moradores. Não vejo ninguém rindo. O que vejo são pessoas tensas, apressadas, amedrontadas. Quem diz que adora o Rio só o faz se for pago pela televisão. Os que vivem o dia-a-dia do trabalho, do transporte, da lama, do perigo, esses não acham graça, e muitos deles já passaram por situações que acreditaram  que não eram reais, que iam passar. Mas não passam. E não passarão, enquanto durar a desigualdade e o desdém de quem a administra. O que fica e aumenta é uma lista de medos acumulados por motivos diversos, e muitas vezes novos, engendrados por mentes perversas, que de humano não têm mais nem a forma.
A cidade se transforma para a Copa. Ainda bem que os desportistas não vão ao teatro ou ao cinema no centro do Rio aos fins de semana. Se forem, encontrarão um cinema sem banheiro porque o empresário que explora o restaurante do Odeon fecha os banheiros aos fins de semana porque o restaurante não funciona. Aliás, nada funciona no centro da cidade nos fins de semana. Se forem ao teatro da Caixa, sairão de um espaço grandioso (embora também deficiente em coisas primárias) para encontrar a rua imunda, cheirando a mijo, habitada pelas sombras em que se tornaram aqueles para quem nada sobrou. Nesses dias a cidade é deles, como eles: abandonada, com um cheiro amargo de pobreza e desdém. A cidade ideal para uma população de sobras que a cidade cuspiu.

Para tudo, e para tanto, o poema de Judith Herzberg

Força de vontade 


Força de vontade. Coragem. Perseverança.

Quantas vezes prometemos a nós próprios,
até ficarmos ridículos, profundamente ridículos
até sentirmos o remorso cobrir-nos de suores frios
e as unhas crescerem para dentro da carne
e o eu dentro de nós transformar-se num novelo,
tentando em vão enganar-nos.

Quando afinal à nossa volta nenhuma

força de vontade, nenhuma perseverança
faz brotar os jacintos de dentro dos bulbos,
a cabeça repousar na almofada
o corpo abandonar-se à dor
se tiver de ser. Espera, talvez passe.
Força de vontade, coragem, perseverança, coitadas.


...



Um comentário:

  1. Antes a tortura da ditadura, agora as sevícias da bandidagem, abjeto o que fizeram com esse casal.
    A Índia é aqui, o Brasil virou terra do estupro, além do carnaval porque futebol já era.
    A gerentona Dilma, assim como todos depois da ditadura, não tem um plano nacional de segurança, um código penal que é do tempo em que se amarrava cachorro com linguiça.
    Terra de Ninguém, do "não dá nada", furto ( subtração sem violência) é considerado crime de baixo teor ofensivo, quer dizer se arrombarem tua casa e levarem tudo não te ofendas.
    Vou acabar pra não virar Charles Bronson em "Death Wish".

    beijo

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