3 de novembro de 2012

SEBASTIÃO UCHOA LEITE

Tinha um texto pronto sobre o Feriadão dos Finados, que é como se chama hoje o Dia dos Finados.
Seria bom que os dias do Feriadão pertencessem mesmo aos finados que gostaríamos de rever, saber como estão. Seria dia de visita, mas ao contrário. Eles nos contariam coisas, bem vivos, e nós, perplexos, os ouviríamos. 
Bobagens. Isso já acontece. Do nada me cai nas mãos o livro do poeta pernambucano Sebastião Uchoa Leite, morto em 2003, autor de uma obra original e intrigante, cheia de mistérios, às vezes, e de ironia, muitas vezes premiada.    
Da visita do poeta deixo-lhes aqui três poemas, do livro A espreita, publicado em 2000.
E dos mortos só esperamos isso: que continuem bem vivos e nos apareçam assim, quando querem, ou estejam à mão para qualquer necessidade nossa, de salvação.


Espreita


É uma espécie de Cérbero
Ninguém passa
Não escapa nada
Olho central
Fixo
À espreita
Boca disfarçada
Que engole rápido
Sem dar tempo
Depois dorme
Aplacado



Fora algumas metáforas

Fora algumas metáforas
Nada é nada
Nem a máquina Enigma
Ou a desenigmação total
Os códigos
Descontróem-se

Nem a "Fuga da morte" de Celan
Auschwitzes
Ou Adornos
A fama
Que enfara os que
Fora os quiosques
Nada vezes nada
Nem o enfado dos poetas
A máquina crítica
A constrição das tripas
fora os que podem
E os que
Se etceteram 

A luz na sombra

Súbito - do outro lado -
Vejo-o projetado
No espaço
Deste lado
Os focos sobre almofadas
Uma luz amarela
Os quadros também
Esquálido
Amarelomagro
Na sombra
do além-vidro
Vida em-si
Universo invisível
Vazio
Corpo absorto
em queda
Na sombra-silêncio

...


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