6 de junho de 2012

NAS ALTURAS


Trazia ainda o silêncio do mar esmeralda, a praia deserta e as noites de onde despencavam estrelas. Abri os olhos. Estava no céu. Quisera estar, enquanto olhava da janela do avião as nuvenzinhas brincando como ovelhas novas. Mas daí a pouco não estavam mais. Era o chão, o aeroporto, as malas, e logo os carros em sua confusa ordenação. Vinham nítidos na memória da alma os brilhos lunares e o grito das caturritas. Era novamente eu, carregando o tempo nos ombros, o peso dos acontecimentos, a certeza de que nada houvera de novo, de espantoso. Mas não. Sempre há uma promessa. Dessa vez tinha um nome absoluto: Contos completos, de Sérgio Faraco, autor gaúcho, tradutor de Idea Vilariño e que me reportou a outro, João Simões Lopes Neto, registrando a vida e a linguagem da gente miúda do Rio Grande, do gaúcho sem nome, que morria sem que se soubesse a causa, de tiro ou de febre, sempre escravo do latifúndio, das oligarquias e da lei, como os pobres de Saramago em Levantado do chão ou os negros de Paulo Lins em Desde que o samba é samba.

O que posso dizer é que lá em cima, longe dos pagos que irmanavam Rio Grande e a banda oriental pude sentir de novo a maravilha de ser tomada pela emoção do texto impecável, do tema sagrado, da grandeza que é a vida de cada um e que o artista pode reinventar e transformar em verdade. Chorava, no avião, primeiro lágrimas rasas, mas depois deixei que saltassem e me abandonei o que pude, o que necessitava, cheia de compaixão e amor pelo que um dia fomos e se chamava humanidade.


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