31 de julho de 2009

PÁTRIA MINHA

paisagem do interior
Anita Malfatti
(1889 - 1964)
Recebi via internet uma propaganda para um produto que será lançado no dia 7 de setembro. O produto é uma indignação geral com o estado geral das coisas. A apresentação é bem feita, coisa de profissional. Mas a mensagem...- é o tal panelaço, que os argentinos faziam muito bem e nós nunca conseguimos repetir porque não vamos andar por aí com panelas, certo? nosso sentimento nacionalista nunca foi por demais arraigado, digamos assim, a não ser por força das armadas. Preferimos uma cerveja gelada e um jogo de futebol.

O movimento (?) prega uma união geral dos lesados pelo sistema, fala em canalhada, "saco cheio" (pra ficar mais popular) e escroques, palavra que ninguém mais lembra o que é.

Traz uma máxima de Lima Barreto, que diz que "O Brasil não tem povo, tem público", mas não engana ninguém. Ou engana(?)
7 de setembro, para mim, não é só o dia da independência, mas o dia de aniversário de minha filha, quando a tínhamos, e em 1992 o bolo foi decorado com uma passeada que conclamava "Fora Collor". Há 19 anos. Ela não está mais, mas Collor está aí.

Sabemos, no entanto, o que aconteceu. Parece que de lá para cá tem arrefecido o nosso ânimo para mudança. Tudo muda? Claro que sim, mas muito lentamente. É recente a independência, é recente a abolição da escravatura, e fomos pegos ainda pequenos pela globalização, que massificou principalmente a corrupção. Saímos das reuniões dos coronéis para a corrupção tecnológica, sempre amparados pela lei. Como combater as oligarquias e cobrar da Justiça republicana se ainda pagamos o laudêmio? Quem me explica essa vocação para a vassalagem?

Pois bem, o email considera que se no dia 7 de setembro, às 17h, durante uma hora, todas as pessoas se manifestarem, estará resgatada a esperança e então "iniciaremos a mudança".

Iniciaremos quem, boludo? No outro dia cada um fará o que tem que fazer, atendendo seus interesses particulares mais prementes, aceitando até "um agrado", enquanto segue o que não tem remédio nem nunca terá. Os caras ainda exigem que a lei se faça (como puder) punindo os culpados. Parece que não sabem que a lei não se cumpre quando pode, ela se cumpre quando quer.

Não fiquemos tristes, no entanto. Lembremos um brasileiro, Vinicius de Moraes, e nossos corações se encherão de orgulho, de amor à terra, de terno sentimento em relação a nós mesmos, que desejamos tanto ser cidadãos, mas só temos consolo nas palavras do Poeta.



Vontade de beijar os olhos de minha pátria

De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...

Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias

De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha

Tão pobrinha!


...


Não te direi o nome, pátria minha

Teu nome é pátria amada, é patriazinha

Não rima com mãe gentil

Vives em mim como uma filha, que és

Uma ilha de ternura: a Ilha

Brasil, talvez


Agora chamarei a amiga cotovia

E pedirei que peça ao rouxinol do dia

Que peça ao sabiá

Para levar-te presto este avigrama:

"Pátria minha, saudades de quem te ama...

Vinicius de Moraes".






28 de julho de 2009

PARTOS



Desde ontem estou feliz (acontece às vezes) porque minha neta fez quatro meses e meu livro, que a ela dedico, ficou pronto.
Semelhante ao parto é o processo do livro. Primeiro, sempre, o desejo. Então pensa-se nele, juntamos os textos, lemos, cortamos várias vezes, reescrevemos outras, o livro vai tomando forma. Sabemos que a obra cresce quando impressa.Contamos, suprimimos. Pensamos no título, pensamos nele impresso, sempre a melhor forma de se apresentar. É pré-natal do bebê. Depois a diagramação, as fontes, os espaços, a contagem, a escolha do papel, do formato, da cores. Vamos fazendo o enxoval do rebento. Vai e volta em provas de textos e tonalidades, até que um dia está pronto, vai nascer. O que se passa na gráfica nos foge às mãos, entregamos aprovada a última prova e aguardamos que se faça o filho, em várias cópias, que levaremos pela vida, pela mão, mesmo que chegue com um erro terrível, um defeito inaceitável. Quando chegar, será aquele, o filho que fizemos.
Esperamos em casa, loucos para ver, pegar, alisar a capa lenta e delicadamente, sentir a secura da laminação fosca que cobre a tinta, a tinta que cobre o papel, o papel que suporta todo o processo de transformação. Ali está o pensamento solto, criteriosamente organizado, exercício da pura liberdade, sonhos que vieram da escuta, da memória, da experiência e do delírio. A capa, moldura do livro, abarca tudo, é a tampa do estojo, o receptáculo que contém as peças em que trabalhamos com minúcia.
Um livro nasceu no dia 27 de julho de 2009. Chama-se O SILÊNCIO DAS XÍCARAS. É um livro de contos.
Gabriel Voser fez a capa
Márcia Cavendish Wanderley escreveu o texto da orelha
Igor Fagundes escreveu o prefácio.
Rosane Ramos revisou.
Brevemente ele poderá ser visto, e lido.

26 de julho de 2009

Poema para o domingo

Não te irrites por mais que te fizerem
Estuda, a frio, o coração alheio
Farás, assim, do mal que eles te querem
Teu mais amável e sutil recreio.

Mário Quintana

24 de julho de 2009

baseado em quê?

baseado em quê? foi escrito na intenção de levantar mais uma voz (não são poucas) contra a atual política relativa às drogas, tendo em vista que sempre que o assunto vem à tona, só são chamados para discutir os que são contra a legalização. No entanto, se todos sabemos que política empregada até agora tem se mostrado ineficaz e o consumo de drogas tem aumentado, não seria hora de pelo menos experimentar outro modelo de atuação?
Baseados em quê podemos formar opiniões, se são tão poucos os argumentos e o espaço dedicados a quem defende a legalização? No entanto, já se sabe, é a diversidade de opiniões que nos ajuda a tomar posições que se aproximem mais do que intimamente já pensamos e queremos. E não há dúvida de que o repressão e violência contra os mais pobres não extinguirá o uso das drogas.
baseado em quê? foi lançado em maio, na Marcha da Maconha. Está à venda na loja La Cucaracha, em Ipanema e através de depósito no Banco Real, Ag. 0906, Conta corrente 0009207, no valor de 15,00. A partir do depósito, é só avisar por email e receber pelo correio.
Aproveitando o assunto, vai aqui meu irrestrito apoio ao Ministro Carlos Minc, o único dos políticos que tomou posição (coragem é produto raríssimo no mercado) por ocasião da Marcha.

FLIP – A Literatura sitiada

O assunto está quase antigo, mas começo com ele a história do blog porque vai na contramão de tudo o que saiu na imprensa, esclarecendo que a idéia do evento é ótima, mas infelizmente os organizadores incorreram no erro de torná-lo essencialmente midiático, esquecendo o espírito da literatura. Se Manuel Bandeira fosse vivo, por exemplo, seria convidado para a FLIP enquanto bancava seus livros? Apenas uma pergunta.


Terminou dia 5 de julho mais uma FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. De fato, uma verdadeira festa para empresários em geral, onde pontificou a Livraria da Vila (SP) com o monopólio das vendas. Verdade que distribuiu belos programas (um deles tem 130 páginas) informando quem são os autores de quem a maioria do público nunca ouviu falar, razão pela qual ficam mais conhecidos em Paraty do que em seus países de origem. Além disso, graças a um acordo entre A Casa Azul, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e a Prefeitura Municipal foram varridas das ruas as esperanças e os livros de autores independentes ou editoras menores que tentassem comercializar seus produtos. Porque o livro passou a ser exatamente isso, um produto na sociedade de mercado, de que a FLIP é apenas uma vitrine. Das paredes do casario histórico, do meio das pedras incômodas e escorregadias, mal colocadas depois da última obra, a qualquer tempo podia surgir um fiscal da Prefeitura (e eram inúmeros) que, com o apoio da Casa Azul, se encarregava de assustar os “criminosos” e, no caso de reincidência, apreender o material.

Além dos escritores perseguidos, reclamaram também os artesãos, a quem a prefeitura acusa de “sujar a cidade” e as comunidades tradicionais, compostas de quilombolas, caiçaras e índios guaranis, contra um “desenvolvimento” baseado no turismo de luxo, que ocupa os espaços e expulsa os povos daquelas comunidades. Chico Buarque, ao final da sua participação, fez-se porta voz desse protesto.

Já que a Festa é Internacional, naturalmente há um grande número de autores estrangeiros. Como já é do conhecimento do público, interessam os autores que as editoras, principalmente de São Paulo, traduzem. De qualquer forma, em sétima edição, com tanta tecnologia à disposição e tantos milhões do Unibanco, os organizadores já poderiam ter providenciado tradutores homens para traduzir autores e mulheres para traduzir autoras. Não é, no entanto, o que se vê (e ouve), e não raro a mulher que estava falando com voz de homem passava, de repente, a falar com voz de mulher e vice versa, num estranho revezamento que tornava ainda mais estranha a apreensão das idéias, que já não eram muitas. Além disso, no telão nunca se tem uma idéia geral do que se passa na tenda principal. Na maioria das vezes uma só câmera foca no entrevistado ou no entrevistador, sem planos gerais.

As mesas literárias da Feira, para quem não sabe, realizam-se numa tenda armada ao lado do rio Perequê-Açu. Como é insuficiente para todos aqueles que querem “respirar” literatura (ao menos uma vez por ano), as pessoas podem assistir pelo telão, num espaço coberto, mas não fechado, localizado do outro lado do rio, a que se tem acesso por uma pequena ponte. Neste espaço, não raro, o espectador é incomodado por celulares em geral, seguranças com rádios, carros de polícia que circulam inutilmente, e gritos esganiçados vindos dos animadores(?) da Flipinha, um outro filão editorial em vertiginoso crescimento.

A cada ano a FLIP se torna mais midiática, tendo como convidados jornalistas, críticos de música, autores de histórias em quadrinhos e até cineastas, o que leva a crer que para os organizadores a literatura se vai esgotando. Apesar do evento ter homenageado Manoel Bandeira, com abertura de Davi Arrigucci Jr., um estudioso da obra do poeta, a poesia mereceu pouco tempo e espaço. Paralelamente, existe também a OFF-FLIP, organizada por quem não entrou na FLIP, o que equivale a dizer que se tivesse entrado talvez não se tivesse organizado. Mas isso não vem ao caso. Os organizadores da OFF são responsáveis por eventos paralelos como concursos, além de leituras, exposição e venda de livros.

Ressalte-se o melhor: a simpatia e hospitalidade do povo de Paraty, a variada gastronomia e o bom atendimento dos funcionários da FLIP, que trabalharam quase 14 horas por dia para que o turismo e as vendas, principais objetivos, resplandeçam.

E mais: o livro “Te pego lá fora”, de autoria de Rodrigo Ciríaco, professor da rede púbica na periferia de São Paulo, mostrando o que é, hoje, a educação possível, inclusive reproduzindo a linguagem das salas de aula, um universo distinto e distante, muito distante da FLIP, que literalmente, o perseguiu, sem saber (e sem querer saber) que ali estava uma promessa literária a que se deve prestar atenção.